Era 2010. A Petrobras precisava de fundos para explorar o pré-sal. Então foi buscar onde eles são mais baratos: na bolsa.
Porque o dinheiro que você, empresa, levanta na bolsa é basicamente gratuito. Você não se compromete a pagar. Não é dívida. Você devolve quando (e se) tiver lucro. Caso não tenha, azar de quem virou seu sócio.
Há 14 anos, durante o governo Lula 2, a Petrobras abriu as portas para novos sócios. Para gente a fim de topar o risco
Na época, a empresa era dividida em 8,7 bilhões de ações. Cada uma dava direito a 0,11 bilionésimo do que a petroleira distribuía em dividendos. Para levantar dinheiro, ela lançou 4,27 bilhões de papeis novos, elevando o total para 13 bilhões. Ou seja: as novas ações equivaliam a 33% do novo total da companhia.
Dali em diante, cada papel daria direito a 0,8 bilionésimo do que viesse na forma de proventos. Bem menos do que antes. Trata-se de uma diluição. Os antigos acionistas, se quisessem manter intactas as fatias que possuíam, teriam de comprar lotes dessas novas ações. Além disso, claro, a empresa abria portas para novos entrantes.
Essas 4,27 bilhões de ações vieram divididas em 2,4 bilhões de ONs, que dão direito a voto, e 1,87 bilhão de PNs, que não dão. A Petro vendeu as ONs por R$ 29,65 cada uma; as PN’s, por R$ 26,30. Total: R$ 120,3 bilhões.
Com o dólar a R$ 1,71 (por cortesia do boom das commodities), isso dava US$ 70 bilhões. Foi o maior follow-on (oferta extra de ações) da história, até hoje. Na verdade, a maior captação em bolsa at all, contando também IPOs (as ofertas públicas iniciais) – nessa seara, o maior foi o da Saudi Aramco, em 2019, que captou “meros” US$ 25,6 bilhões.
Dos R$ 120,3 bilhões que a Petrobras captou, uma parcela veio de trabalhadores comuns. 25.544 pessoas converteram parte de seu FGTS nas novas ações da empresa, contribuindo com R$ 423,7 milhões.
Lula comemorou, numa cerimônia da sede da B3 (então chamada Bovespa) em 24 de setembro de 2010: “O que se materializa aqui é a decisão soberana de uma sociedade: a de capitalizar o seu futuro; o futuro do seu sistema produtivo”.
Quem dá dinheiro para a capitalização de uma empresa espera retorno, obviamente. E este deveria vir na forma de dividendos. Mas os primeiros anos não foram prolíficos nesse sentido. Entre 2014 e 2017, quando era para o retorno começar a vir, a Petrobras não pagou proventos (cortesia, em grande parte, do escândalo de corrupção).
Entre 2018 e 2020, com a capitalização já completando uma década, eles também vieram fracos, abaixo de R$ 1 por ação a cada ano – pouco pra quem tinha entrado a mais de R$ 26 lá atrás.
A coisa começou a se pagar de fato a partir de 2021. Veja o valor dos proventos relativos a cada ano fiscal desde então:
2021: R$ 7,62
2022: R$ 16,47
2023: R$ 7,03
Ou seja: quem apostou na Petrobras lá em em 2010, seja uma gigante internacional da gestão de fundos, seja dona Maria, que deixou 30% de seu FGTS ali, só passaram a ter retorno bem recentemente.
Faz sentido debater os dividendos da petroleira, como o governo tem feito – num embate que foi determinante para a queda de Jean Paul Prates. Em 2022, o volume total de proventos (R$ 214 bilhões), foi superior ao lucro líquido no ano (R$ 188 bilhões). Ou seja, houve queima de caixa para pagar dividendos, o que é simplesmente ruim para qualquer companhia.
Por outro lado, a pressão para reduzir os dividendos ao mínimo previsto no estatuto (25% sobre o lucro, de modo a bancar investimentos) vai contra o interesse de quem tirou dinheiro do próprio bolso para financiar a estatal, lá em 2010. Trata-se de mais uma quebra na relação de confiança entre o controlador da petroleira (a União) e o mercado de capitais.
E quando a União precisou do mercado de capitais, ele esteve lá, com US$ 70 bilhões na mão – corrigindo pela inflação, dá US$ 100 bilhões; basicamente todo o valor de mercado que a Petrobras tem hoje.
Por essas, a relação preço sobre lucro da Petrobras tornou-se pífia ao longo dos anos. Quanto menor esse número, mais subvalorizada está a ação. O P/L da Petrobras é de 4 hoje – ou seja, o valor de mercado dela equivale a míseras quatro vezes o lucro dos últimos 12 meses. Já os P/Ls da Exxon e da Chevron, suas pares americanas, é bem maior, perto dos 15.
Trocando de presidente sem parar
Magda Chambriard será a segunda mulher a presidir a Petrobras, depois de Graça Foster (2012-2015). Sua nomeação, após pouco mais de um ano da gestão Jean Paul Prates, é mais uma amostra do quão dura tem sido a interferência governamental na empresa – outro fator de quebra de confiança junto ao mercado.
Chambriard, afinal, será a nona pessoa a presidir a Petrobras em nove anos. É como se a estatal tivesse virado aquela Argentina do início dos anos 2000, que trocava de presidente sem parar. A lista, do mais recente para a mais antigo nesse intervalo:
- Jean Paul Prates (2013-2014), governo Lula
- Caio Paes de Andrade (2022-2024), governo Bolsonaro
- José Mauro Ferreira Coelho (2022-2022), governo Bolsonaro
- Joaquim Silva e Luna (2021-2022), governo Bolsonaro
- Roberto Castello Branco (2019-2021), governo Bolsonaro
- Ivan Monteiro (2018-2019), governo Temer
- Pedro Parente (2016-2018), governo Temer
- Aldemir Bendine (2015-2016), governo Dilma
Chambriard, a nova presidente, é engenheira civil de formação e mestre em engenharia química. Atuou até então como consultora no setor de petróleo e energia. Ela foi funcionária da Petrobras por 22 anos, atuando sempre na área de produção.
Mais tarde foi cedida à ANP, a Agência Nacional de Petróleo e Gás, para assumir como assessora da diretoria de Exploração e Produção em 2002. Dez anos depois, chegaria à Diretoria Geral da ANP. Ela foi responsável pelos estudos técnicos que culminaram na primeira licitação do pré-sal.
Com seus 40 anos de experiência no setor, defende a exploração de petróleo em novas áreas. Inclusive, na Margem Equatorial, região envolvida no imbróglio entre os setores ambiental e de energia do governo.
Pois é. Esta nova temporada da Petrobras promete mais brigas.
Fonte/Imagem: InvestNews/Internet